Pela cultura da paz entre esse povo oprimido

Contando com a participação de poetas de todo o Brasil, o Experimentalismo Brabo apresenta mais folheto de cordel coletivo:

Há cultura da paz? Para os oprimidos do mundo, ao contrário do óbvio, eu diria que sim. Essa afirmação é possível porque acredito firmemente na ficção como terreno para a utopia. Em nossas cucas podemos quase apalpar seus contornos, querida cultura da paz. Especulamos mundos que, de fato, não estão acessíveis, mas sim, os desejamos com água na boca.


O problema não está no desejo, e sim na fé que depositamos na ficção. Pois um mundo novo, sem opressores, ele é urgente. E disso poucos discordam. Não abordarei sobre a cabeça e patas da quimera, que todos estão cansados de saber da sua fuça neoliberal e de seus tentáculos, hoje, novamente, fascistóides. Vou tratar apenas das invenções que apontam algum novo. Volto à ficção. Se essa fé na ficção for naquele tipo de história ligeira, com varinhas de condão e um pluft: e tudo se cambiou; não nos enganemos. Caímos no golpe do vigário. No golpe do burguês publicitário, melhor dizendo.


Já em ocasiões como a dessa publicação, onde os poetas daqui acreditam numa ficção que tenha por método derrubar o edifício atacando suas sapatas, aí falamos de contragolpe, que, no popular, é a “tomada de poder”, é o “é tudo noix”, é o “tudão nosso, cabo o caô”.

Nesse livreto vejo as narrativas que contam com o arrancar de vísceras e o derreter dos totens. Sem flores em seu processo. Vislumbrando – aí sim, lá na frente – a paz, a florida paz, aquela que é cantada em versos por aí enquanto decanta nos textos da Unesco.

Só haverá cultura da paz com a sorte do oprimido, a qual é o azar do opressor. Trabalhadores das métricas e rimas, uni-vos nessa refundação poética de um mundo que merecemos, enfim, pra ficar de boa. Ficar de boaça…Vá lá na Unesco: é essa uma válida síntese sobre cultura da paz para o sonho (insurgente) do oprimido. De boaça, sem reaça.

Felipe Eugênio

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Pela Cultura da Paz Entre Esse Povo Oprimido

Organização: Leo Salo

Capa: Karen Guimarães

Apresentação: Felipe Eugênio

Poetas Participantes: Adaildo Silva, Aderaldo Luciano, Aline Barros, Dalinha Catunda, El Gorrión, Graciele Castro, Izabel Castro, Kaká Freitas, Leo Salo, Lindicássia Nascimento, Nerivan Escada, Rosário Pinto, Sophia Sá Barretto, Tiago Duarte e Victor Lobisomem.

EXIGIR ou oferecer contrapartida “sociocultural” do projeto de cultura…

EXIGIR ou oferecer contrapartida “sociocultural” do projeto de cultura, mostra o quanto os atores públicos e privados, e os agentes estatais e sociais do setor, estão longe de entender o tal papel “civilizador”, “transformador”, “revolucionário” que pregam no palavrório de ordem sobre política cultural. Mostra, sobretudo, que na média, estamos longe de entender a distinção dos papeis – Estado x sociedade -, naquilo que se convém chamar de produção cultural. Isso explica a confusão que ora um, ora outro faz entre “política” e “realização”, o que na minha perspectiva é uma visão conservadora que, ano a ano, só “avança” no anacronismo. O exemplo mais recente do impacto desta compreensão atrasada ou equivocada dos papeis, se materializa no “bacalhau institucional” que virou a Lei Aldir Blanc e o seu “impacto” na garantia da vitalidade produtiva da cultura brasileira. Uma análise supefircial dos seus resultados até aqui, pra mim, demonstra que Estado e sociedade juntos realizaram o maior gasto público sem qualidade da história da gestão cultural em nosso país.

Junior Perim

Sobre a pandemia (Catherine “Kitty” O’Meara)

E as pessoas ficaram em casa

E leram livros e ouviram

E descansaram e se exercitaram

E fizeram arte e brincaram

E aprenderam novas maneiras de ser

E pararam

E ouviram fundo

Alguém meditou

Alguém orou

Alguém dançou

Alguém conheceu sua sombra

E as pessoas começaram a pensar de forma diferente

E pessoas se curaram

E na ausência de pessoas que viviam de maneiras ignorantes,

Perigosas, sem sentido e sem coração,

Até a Terra começou a se curar

E quando o perigo terminou

E as pessoas se encontraram

Lamentaram pelas pessoas mortas

E fizeram novas escolhas

E sonharam com novas visões

E criaram modos de vida

E curaram a Terra completamente.

 

Postado originalmente no blog Daily Round.

 

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Sobre a quarentena (Irene Vella)

Foto: Karen Guimarães

Era 11 de março de 2020. As ruas estavam vazias, as lojas fechadas  as pessoas não saíam de casa. Mas a primavera não sabia de nada. As flores continuaram a florescer. O sol brilhava e as andorinhas retornaram. O céu estava colorido de rosa e azul. De manhã, o pão foi amassado e os biscoitos foram assados.

Estava escurecendo mais tarde e de manhã, as luzes entraram cedo pelas janelas entreabertas. Em 11 de março de 2020, os estudantes pela manhã estavam conectados na Gsuite. E à tarde, as cartas o Tressette eram inevitáveis. Era o ano em que você só podia sair pra fazer compras, mas depois de um tempo eles fecharam tudo. Até escritórios. O exército estava começando a vigiar as saídas e fronteiras. Isso porque não havia mais espaço para todos nos hospitais. As pessoas adoeceram.

Mas a primavera não sabia e as plantas continuavam a brotar. Era 11 de março de 2020, todos foram colocados em quarentena obrigatória. Avós, famílias e também os mais jovens. O medo então se tornou real.  E todos os dias pareciam os mesmos. Mas a primavera não sabia disso e as rosas voltaram a florescer. O prazer de comer junto foi redescoberto. Escrever deixando a imaginação livre… Ler voando com a imaginação. Houve quem aprendesse um novo idioma. Quem começou a estudar e quem fez o último capítulo que faltava na tese. As pessoas começaram novamente a entender que amavam a vida Alguns pararam de aceitar a ignorância. Há pessoas que fecharam seus escritórios e abriram tabernas com apenas oito vagas. Há pessoas que deixaram  namorados e namoradas para gritar ao mundo o amor pelos melhores amigos.  Alguns outros se tornaram médicos para ajudar quem precisa. Foi o ano em que se compreendeu a  importância da saúde e dos afetos verdadeiros. O ano em que o mundo pareceu parar e a economia despencou. Mas a primavera não sabia, e as flores deram lugar aos frutos.

E então, chegou o dia da libertação. Estávamos na TV e o primeiro-ministro disse em rede nacional que a emergência havia terminado e que o vírus havia perdido. Os italianos todos haviam vencido. E então saímos na rua… Com lágrimas nos olhos. Sem máscaras e luvas. Abraçando nosso vizinho como se ele fosse nosso irmão.

E foi aí que o verão chegou. Porque a primavera não sabia. E continuava lá apesar de tudo. Apesar do vírus. Apesar do medo. Apesar da morte. Porque a primavera não sabia e ensinou a todos o poder da vida.

irene vella

Afeto Brabo

Arminha - Foto: Karen Guimarães

                                                                       Arminha – Foto: Karen Guimarães

Onde está a vida?

Onde está a alegria?

Onde está a brincadeira?

Onde está?

A arte da vida, a arte de sorrir…

Onde está?

Escondida na arte de chorar?

Chorar é arte?

O que é arte?

Que música se dança aqui?

Que acordes?

Que acordos?

Quem acorda?

Quem dorme?

Quem tem os olhos vendados e ouvidos tapados

e se lambuza da miséria que eles nos oferecem?

Quem tem os olhos vendados e ouvidos tapados

e se lambuza da miséria que eles nos oferecem?

Democracia tarja preta, de violência e depressão!

Luto.

Luto pela arte.

Luto pela vida.

Luto pelo amor.

(Texto: Cléo Lima e Leo Salo)

Natal dos covardes

Texto de Marcelo Freixo
O que diriam os pregadores da intolerância, os obreiros do justiçamento, os apóstolos do olho por olho dente por dente sobre um homem que manifestou seu amor por um ladrão condenado e lhe prometeu o paraíso? Brandiriam o velho sermonário: bandido bom é bandido morto?
Na próxima quinta-feira, quase todos os brasileiros, inclusive os cônscios moralistas da violência que amarram adolescentes em postes para linchá-los, se reunirão com suas famílias para celebrar mais uma vez o nascimento desse homem.
Sujeito, aliás, que respondeu à provocação: está com pena? Então, leva para casa! Pois, é. Jesus Cristo prometeu levar o ladrão para casa. “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, diz o evangelho de Lucas.
Jesus optou pelos oprimidos e renegados, pelos miseráveis, leprosos, prostitutas, bandidos. Solidarizou-se com o refugo da sociedade em que viveu, contestou a ordem que os excluiu.
O Cristo bíblico foi um dos primeiros e mais inspiradores defensores dos direitos humanos e morreu por isso. Foi perseguido, supliciado e executado pelo Império Romano para servir de exemplo.
Assim como servem de exemplo os jovens que são espancados e crucificados em postes, na ilusão de que a violência se resolve com violência. Conhecemos a mensagem cristã, mas preferimos a prática romana. Somos os algozes.
Questiono-me sobre o que seria dele em nossa Jerusalém de justiceiros. Não sei se sobreviveria. É perigoso defender a tolerância, o amor ao próximo e o perdão quando o ódio é tão banal. Como escreveu Guimarães Rosa: “quando vier, que venha armado”.
Não é difícil imaginar por onde ele andaria. Sem dúvida, não estaria com os fariseus que conclamam a violência e fazem negócios, inclusive políticos, em seu nome.
Caminharia pelos presídios, centros de amnésia da nossa desumanidade, onde entulhamos aqueles que descartamos e queremos esquecer, os leprosos do século 21. Impediria que homossexuais fossem apedrejados, mulheres violentadas e jovens negros linchados em praça pública. Estaria com os favelados, sertanejos, sem tetos e sem terras.
Por ironia, no próximo Natal, aqueles que defendem a redução da maioridade penal, pregam o endurecimento do sistema prisional, sonham com a pena de morte e fingem não ver os crimes praticados pelo Estado contra os pobres receberão um condenado em suas casas.
Diante da mesa farta, espero que as ideias e a história desse homem sirvam, pelo menos, como uma provocação à reflexão. Paulo Freire dizia que amar é um ato de coragem. Deixemos então o ódio para os covardes.
Feliz Natal!
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Há de cair o abismo invisível entre idosos e jovens…

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Há de cair o abismo invisível entre idosos e jovens num país de “senhores e senhoras”, hábito herdados do tempo do cativeiro. Felizmente tem gente pensando e agindo para quebrar este estigma que corrói profunda e silenciosamente os relacionamentos humanos, principalmente em país tão segmentado como o Brasil, quebrando mesmo a fé e a alegria de muita gente. Precisamos evoluir ainda muitíssimo para alcançarmos uma humanidade menos lívida, porém mais lícita.

Ubirajara Rodrigues

O palhaço de rua (Junio Santos)

O multiartista brincante Junio Santos é uma das iluminadas figuras que inspiram nosso trabalho. Segue abaixo um pequeno e apetecível texto deste nosso amigo, uma reflexão interessante para todos nós que estudamos e acreditamos nas infinitas possibilidades em música, alegria, comédia, tragédia e poesia que o palhaços nos apresenta como ferramentas para a escuta e para o encontro. Viva!

Foto: Robson Godoy Milczanowski

Foto: Robson Godoy Milczanowski

Tenho encontrado nas ruas vários tipos, com variados estilos de palhaço. A grande maioria deles nem sabe que carrega consigo, no andar, no olhar, no sorrir, no chorar, no modo particular de ser: um PALHAÇO. Isso tem sido uma constante no meu caminhar. Os vendo, os percebendo vou enchendo o meu CUZ-CUZ de milho, leite, azeite, temperos que ainda me faltam.

Entre eles um me despertou uma atenção diferente. Tinha um rosto triste-pesado… porém um corpo que balançava sustentado – não sei como – por um andar tropego que me lembrava o pouco que vi do maior jogador palhaço de todos os tempo Mané Garrincha. Quer nome melhor pra um palhaço?

Ele não sabia que era penso pra os dois lados. Hora pendia pra esquerda, Hora pra direita com uma sútil balançada na cintura entre uma e outra pisada. Era de arrepiar.

Cheguei mais perto e o acompanhei com olhar até onde o podia ver. Fui vestindo nele o figurino que imaginava, a peruca, o nariz e fui desenhando no infinito como via a pintura do seu rosto, contornando com preto e branco as rugas pra demonstra os sentimentos pesados e com a cor vermelha destacar o que seu rosto involuntariamente traduzia de alegria e felicidade.

Calcei seus pés com sapato grande de cor neutra com a ponta torta e o batizei de “PENSO”. Com isso pensei o quando precisamos está penso pra poder pensar de forma balançada o que queremos com nosso palhaço.

Depois fui retirando tudo que vesti nele e deixando ele caminhar na minha perturbada imaginação e notei que o seu palhaço não mudava. Continuava caminhando sem firmeza, com o pensamento absorto como quem já se absorveu a tempo e vive Imerso num pensamento que o faz ficar alheio a tudo e todos que os rodeia.

Creio que ele continua caminhando penso.

Acredito que nunca deixará de ser distraído, alheado, fora de órbita para os que os veem e extasiado e enlevado para si próprio.

Como definir um palhaço desse? Como definir o nosso palhaço eterno instrumento em transformação? Como viver sem ele, mesmo ele, nunca nos largando? como aproveitar os momentos que nos são oferecidos pra aprender vendo e ensinar fazendo sem equilibrar a balança jamais?

Penso que “penso” somos todos nós e que mexemos esse ser “penso” muitas vezes até sem pensar, porque sabemos que em determinados momentos quando o conflito se estabelece e as dúvidas não se esclarecem, ele – por ser livre e solto – tende a nos dominar e a nossa resistência no faz duvidar das certezas – que nem sempre estão certas – que estabelecemos pra essa relação conflituosa.

Se o meu palhaço não é e nunca será o seu?

Se o seu palhaço não sou eu quem alimenta de vida?

Se eu sou apenas o provocador da imaginação fértil de tua criação?

Será que não é você, com a junção de todos os saberes e até do nunca irá saber a entidade criadora, mantenedora, persistidora e estabelecedora desse ser indomável?

Coloque seu palhaço na rua e solte o riso frouxo, com certeza você provocará vários encontros, inclusive com você mesmo.

Junio Santos, Julho de 2015.

Por que estamos no asilo?

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Estamos no asilo porque:
fomos aprovados no edital legal,
de nossa função social;

entendemos que o asilo é um

ponto de cultura vivo;

e arte e vida pra nós,
são uma coisa só.

O projeto de tratar o idoso como um resto, advindo
de uma sociedade cruel e individualista
foi vetado por nossa diretoria braba;

nossa arte procura a escuta
nossa escuta procura o afeto
nosso afeto procura o outro
nosso outro procura a nós mesmos

e nos afasta de nossos egos.

Estamos no asilo porque nos inspiramos também em Janaína Michalski e como ela

não acreditamos em ninguém que se diga artista
e não assuma riscos,
que se furte a debates complexos,
que não se responsabilize por posições,
que engrosse a nação de patetas,
que não tenha um profundo vinculo comunitário e
coletivo, que negue um convite à reinvenção de
qualquer lógica vigente.

Estamos no asilo porque ele clama pela desordem das nossas cores

e das nossas vozes, que juntas pulsam paz.